Seria Odair Moniz condenado à pena capital por fugir da polícia?
Não, decididamente não. Mas o ponto central, está longe de ser aquilo que vemos à superfície. O verdadeiro problema reside em algo muito mais profundo e grave, que é não fazermos a mais pequena ideia do que se passou e, contudo, avançamos todos como se estivéssemos diante de uma verdade inabalável. Aí está o grande mal da nossa sociedade, de elevar suposições ao estatuto de factos, de moldar o palpite numa sólida e inquestionável certeza.
Ainda mais curioso, e talvez inquietante, é ver figuras “respeitáveis”, como o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, a alardear conclusões que, na sua essência, são construções de areia. Lançam-se num labor diligente e minucioso, como se fossem investigadores, erguendo opiniões ao nível de verdades incontestáveis. E o que fazemos nós, os prudentes, os que deveríamos esperar, pacientes, por algo mais concreto, algo mais próximo da realidade? Falamos e alimentamos o falatório. E calamos, permanecendo em silêncio perante tão vil hipocrisia, tornando-nos cúmplices, enquanto a multidão, ignorante, mas fervorosa, já condena e sentencia, como num julgamento de feira.
Dentro deste espetáculo, não faltam os que se proclamam ardentes defensores do Estado e das suas instituições, sempre prontos a erguer a bandeira da ordem e da confiança nos seus guardiães. Mas são agora esses mesmos que, sem hesitar, afastam qualquer dúvida e apressam-se a exaltar a atuação das Forças de Segurança. Aqueles que antes louvavam o rigor, agora julgam com descuido e com a mesma severidade impiedosa, ignorando a necessidade de apurar o contexto completo e de verificar se os procedimentos ditados pela situação foram efetivamente seguidos. Olham apenas para a condição de quem, por infortúnio, vive no Bairro e exaltam, com as mesmas premissas de omissão da verdade, aquilo que condenam nos outros. Esta é a peça final de uma tragédia moral, como se de uma condenação e de uma glorificação irrefutáveis se tratasse.
Sim, o desfecho é trágico, inegavelmente. Mas como podemos julgar, desconhecendo? Como podemos, sem se apurar em pleno os factos, falar em legitimidade ou culpa? Falamos, e voltamos a falar do que não sabemos, e talvez aí resida o maior dos nossos erros.