Saturday, 9 November 2024

O Grande Erro: Julgar Sem Conhecer

Seria Odair Moniz condenado à pena capital por fugir da polícia?

Não, decididamente não. Mas o ponto central, está longe de ser aquilo que vemos à superfície. O verdadeiro problema reside em algo muito mais profundo e grave, que é não fazermos a mais pequena ideia do que se passou e, contudo, avançamos todos como se estivéssemos diante de uma verdade inabalável. Aí está o grande mal da nossa sociedade, de elevar suposições ao estatuto de factos, de moldar o palpite numa sólida e inquestionável certeza.

Ainda mais curioso, e talvez inquietante, é ver figuras “respeitáveis”, como o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, a alardear conclusões que, na sua essência, são construções de areia. Lançam-se num labor diligente e minucioso, como se fossem investigadores, erguendo opiniões ao nível de verdades incontestáveis. E o que fazemos nós, os prudentes, os que deveríamos esperar, pacientes, por algo mais concreto, algo mais próximo da realidade? Falamos e alimentamos o falatório. E calamos, permanecendo em silêncio perante tão vil hipocrisia, tornando-nos cúmplices, enquanto a multidão, ignorante, mas fervorosa, já condena e sentencia, como num julgamento de feira.

Dentro deste espetáculo, não faltam os que se proclamam ardentes defensores do Estado e das suas instituições, sempre prontos a erguer a bandeira da ordem e da confiança nos seus guardiães. Mas são agora esses mesmos que, sem hesitar, afastam qualquer dúvida e apressam-se a exaltar a atuação das Forças de Segurança. Aqueles que antes louvavam o rigor, agora julgam com descuido e com a mesma severidade impiedosa, ignorando a necessidade de apurar o contexto completo e de verificar se os procedimentos ditados pela situação foram efetivamente seguidos. Olham apenas para a condição de quem, por infortúnio, vive no Bairro e exaltam, com as mesmas premissas de omissão da verdade, aquilo que condenam nos outros. Esta é a peça final de uma tragédia moral, como se de uma condenação e de uma glorificação irrefutáveis se tratasse.

Sim, o desfecho é trágico, inegavelmente. Mas como podemos julgar, desconhecendo? Como podemos, sem se apurar em pleno os factos, falar em legitimidade ou culpa? Falamos, e voltamos a falar do que não sabemos, e talvez aí resida o maior dos nossos erros.

Ética, Responsabilidade e Prudência: Uma Análise da Intervenção de Bernardo Blanco e o Caso Tiago Mayan

A análise do comentário do deputado e vice-presidente da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco na rede “X”, requer uma reflexão.

Considerações prévias:

  1. Baseado nos factos divulgados pelos meios de comunicação social até à data presente. Todas as informações aqui apresentadas resultam da interpretação das informações divulgadas, assumindo-se, que essas fontes são fiáveis e as informações nelas contidas verdadeiras. No entanto, mantendo sempre, alguma prudência e reserva.

  2. Nas notícias dos órgãos de comunicação social, não há uma referência explícita a que as ações de Tiago Mayan, nomeadamente a falsificação de assinaturas e elaboração de um documento falso,  constituam formalmente um crime. Contudo, o ato de falsificar assinaturas e criar um documento com informações falsas pode ser considerado como um comportamento irregular ou potencialmente ilícito, dependendo do enquadramento jurídico aplicável e da conclusão da investigação judicial.

    Na ausência de uma declaração jurídica ou acusação formal, qualquer interpretação sobre a ilegalidade das ações de Mayan permanece no domínio da suspeita e da avaliação ética, sem uma acusação explícita de crime.

 Factos :

  1. Falsificação: Tiago Mayan, presidente da União de Freguesias (UF) de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, admitiu ter elaborado e falsificado assinaturas numa ata do júri do Fundo de Apoio ao Associativismo Portuense, datada de 16 de setembro, assumindo plena responsabilidade e isentando o executivo e colaboradores.

  2. Fundos e Procedimentos: O Fundo de Apoio ao Associativismo Portuense, com um montante global de 875 mil euros, é administrado pelas juntas de freguesia. Cada freguesia tem um máximo de 120 mil euros atribuídos e deve apresentar o relatório final até 30 de junho, prazo que a UF liderada por Mayan não cumpriu. O município, em setembro, pediu o envio da documentação até ao dia 20 de setembro.

  3. Consequências do Incumprimento: A celebração do contrato interadministrativo com o município foi retirada da reunião executiva de 30 de setembro após uma associação ter impugnado o procedimento. A impugnação indicava uma violação da lei, alegando falta de audiência prévia dos interessados.

  4. Demissão de Cargo: A 8 de novembro, Mayan anunciou a sua demissão, alegando razões pessoais e reiterando que a responsabilidade dos atos lhe pertence exclusivamente, sem interferência dos restantes membros.

  5. Contexto Político: Tiago Mayan foi eleito em 2021 pelo movimento “Rui Moreira: Aqui Há Porto”, com apoio da Iniciativa Liberal, CDS, Nós Cidadãos e MAIS, e em julho de 2024 formalizou a sua candidatura à liderança da Iniciativa Liberal por discordar do rumo atual do partido.

Considerações Ética:

  1. Quebra de Confiança: Tiago Mayan, como representante público, violou a confiança da comunidade ao falsificar assinaturas e elaborar um documento com informações inexatas, minando a integridade do processo de apoio ao associativismo.

  2. Compromisso com a Transparência: A falsificação e atribuição indevida de responsabilidades denotam uma falha no dever de transparência que se espera de figuras públicas, enfraquecendo a confiança das pessoas nas instituições.

  3. Princípios Éticos Violados: A conduta de Mayan transgride princípios de honestidade, responsabilidade e prestação de contas, valores fundamentais para qualquer servidor público.

  4. Reconhecimento de Culpa: Embora Mayan tenha assumido a responsabilidade total pelo ato, isentando os colegas, este reconhecimento apenas mitiga parcialmente a situação e não anula o impacto negativo para a credibilidade da sua liderança.

A minha conclusão considerando o comentário de Bernardo Blanco

  1. Presunção de Inocência e Definição de Crime: Diz-nos a Constituição da República Portuguesa, no seu Artigo 32.º, que o princípio da presunção de inocência é uma pedra angular do nosso sistema legal. Embora o próprio Tiago Mayan tenha alegadamente admitido a falsificação de assinaturas, e eu até concedo que o tenha feito, embora me abstenha de julgar, nunca é demais relembrar que a definição de "crime" e a imputação de culpa pertencem aos tribunais e não aos “pregadores”, por mais altivos que estes se sintam no seu “opinanço”. Qualquer figura pública, especialmente quando investida da responsabilidade de deputado, deve evitar o uso desmedido e precipitado de expressões condenatórias que criam alarido e que não têm suporte legal. Etiquetar como “crime” sem a chancela de uma sentença judicial é um exercício, no mínimo, imprudente e, no máximo, potencialmente difamatório, principalmente para um político, que tem responsabilidades acrescidas.

  2. Respeito pelos Procedimentos Internos da Decisão do Partido: A Lei dos Partidos Políticos confere autonomia às formações partidárias para definirem as suas regras e procedimentos, e no caso do Iniciativa Liberal, ditam os estatutos e as boas práticas, qualquer decisão de expulsão deve resultar de um processo imparcial que está devidamente regulamentado, não de um julgamento sumário na praça pública “virtual”. Que o vice-presidente manifeste a sua opinião pessoal sobre uma eventual expulsão é legítimo, embora arriscado, sobretudo se não ressalvar que se trata apenas de uma posição individual, evitando a confusão que a sua posição de relevo no IL pode causar, levando a interpretações erróneas de que expressa uma posição oficial do partido. Ao emitir a sua opinião com ares de autoridade, como quem julga e sentencia, parece mais uma tentativa de influenciar o parecer dos órgãos competentes. As decisões disciplinares pertencem aos órgãos competentes, que, conforme ditam as regras democráticas do IL, devem ser conduzidas num processo transparente, sem serem contaminadas por opiniões pessoais no púlpito da rede “X”.

  3. Ética e Transparência na Comunicação: É claro e basilar que figuras públicas, em especial um vice-presidente partidário, que têm um fardo de responsabilidade adicional quando se dirigem ao público. Não é um bom augúrio para um partido de pessoas livres e liberais a prática da autoproclamação de idoneidade num momento de crise, é como vender confiança por palavras onde ela deve ser visível aos olhos de todos sem necessidade de alarde. A idoneidade, por definição, é algo que se sente, não se proclama, e o discurso de “seriedade” e “integridade” autoproclamada arrisca-se a soar a um pedido de validação, ou pior, a uma tentativa de distrair os militantes de algumas fragilidades internas do IL.

  4. Liberdade de Expressão: A liberdade de expressão é um valor precioso da nossa Constituição (Artigo 37.º), mas essa liberdade exige o dever de comedimento no uso das palavras. Associar o comportamento de Tiago Mayan a um “ato criminoso” antes de qualquer decisão judicial é um exercício de liberdade que, paradoxalmente, ameaça a própria liberdade do visado. Figuras públicas, especialmente aquelas com relevância política como Bernardo Blanco, têm a responsabilidade de evitar juízos sumários que possam, perante o público, dar a impressão de querer influenciar processos judiciais. Não se pode, em suma, aventurar-se no terreno escorregadio do julgamento popular, terreno onde o próprio já criticou adversários políticos de se perderem.

  5. Tentativa de Misturar o Debate Interno com Este Caso: Por fim, tenho de assinalar que o comentário do deputado sugere uma inusitada e, quiçá, inconveniente tentativa de colar este caso de Tiago Mayan à sua liderança da oposição interna. Que há uma vontade de desacreditar a oposição interna parece bem evidente, por parte de Bernardo Blanco. Num partido que é plural e democrático, o confronto de ideias é um tónico revigorante e uma garantia de vitalidade. Fazer com que este episódio de Mayan seja usado como munição contra o debate interno não só é um disparate, mas um desrespeito pela própria liberdade que o IL tanto valoriza. A diversidade de opiniões é de enaltecer num partido político e deve ser acolhida como tal, e não amordaçada ou misturada com a situação atual. Mais parece que o zeloso vice-presidente quis aqui jogar a cartada de desviar o foco e subjugar as vozes de divergência com um laivo de ironia.

A prudência deveria orientar aqueles que se arrogam guardiões da ética e do rigor, confiando nos trâmites legais e internos e permitindo que a justiça siga o seu curso sem pressões nem prosápias desmedidas. Já se falaram e escreveram palavras em excesso, quando a sensatez nos sugere esperar antes de nos lançarmos ao tribunal da praça pública, e, se ainda assim decidirmos pronunciar-nos, que o façamos com a cautela e a discrição de quem reconhece não estar na posse de todas as peças deste episódio, por mais evidentes que as respostas nos possam parecer à primeira vista.

Permitam-me ainda acrescentar que, na minha opinião – uma convicção pessoal, não isenta de falhas –, Tiago Mayan deveria, até mesmo para preservar o partido que ajudou a fundar, considerar voluntariamente suspender a sua militância até que tudo se apure. Contudo, se algo ficou inequivocamente claro neste caso, é a manifesta incompetência no exercício das funções que desempenhava, evidenciada pelo simples facto de não ter cumprido o seu dever na gestão do processo dos fundos, como lhe competia.

Thursday, 7 November 2024

Os Novos Arautos da Verdade: A Tragédia do Jornalismo na Era do “Influencer”

A powerful, symbolic image illustrating the decline of traditional journalism in the age of social media influencers. Show a split scene: on one side, a traditional journalist with a microphone, newspaper, and notes, looking concerned and professional in a newsroom setting; on the other side, a flashy influencer holding a smartphone, surrounded by social media icons, looking carefree and capturing attention with bright lighting. The background contrasts classic newspapers and headlines with modern, colorful digital icons and like buttons. The tone is serious, reflecting the 'tragedy' aspect of journalism shifting to influencers.
Jornalista | "Influencer"

Eles comentam em cascata, transfiguram o juízo em facto e os factos em juízo, tecendo, com a destreza do velho e habilidoso almocreve, uma tapeçaria de narrativas que reforçam, como se fosse uma verdade insuspeita, as proclamações de que são arautos e apóstolos. A verdade, no entanto, por entre esta fumaça de vaidade e artifício, jaz esquecida, e perdida nos recônditos obscuros da própria convicção, que, não satisfeita em ser escutada no eco dos seus corifeus, tem agora a presunção de erigir-se em dogma, de ocupar, ela só, todo o espaço da realidade.

É neste teatrinho de bonecos, neste curioso “peep-show” de vaidades ruidosas e de convicções plásticas, que o jornalista, outrora guardião zeloso da verdade, veste agora a máscara fulgurante do “Influencer”. A sua missão? Não mais investigar, discernir, ou mesmo incitar à reflexão. Nada disso. É colecionar “likes”, “partilhas” e toda a sorte de endossos digitais que lhe confirmem a popularidade da sua “marca pessoal”. Pois que se atire fora o rigor! Que se abandone o sublime exercício do escrutínio factual! Subjugado está o ofício ao novo chicote do “comentário ligeiro” e à pressa dos juízos imediatos, onde a subtileza e a ponderação já nem são memória, mas sim um estorvo.

Cada proclamação, trabalhada outrora, transforma-se agora numa avalanche de “opinanço factualizado”, oximoros modernos que se bastam a si próprios, iluminados pela força da repetição, como se a insistência pudesse, por algum milagre da pós-verdade, revestir de realidade o que, de facto, não passa de uma perspectiva singular e insípida. No turbilhão da modernidade, onde tudo se repete à exaustão, o mais absurdo dos conceitos ganha, o privilégio de ser aceite, e o mais vago dos rumores encontra acolhimento. E é o eco solitário desta singular perspectiva — monocórdica e repetida — que parece, afinal, ser o único som que ressoa e, para alguns, o único que vale a pena escutar.

Mas, afinal, quem são eles? São homens e mulheres, moços e moças, de todos os géneros e de todos os moldes. Já não os distinguimos, pois camuflam-se com perícia no constructo social do género, renegando a própria biologia, fazem-no, aliás, com a mesma destreza com que se movem nas sombras dos dogmas ideológicos que os moldaram, quer por uma convicção cega, quer pela embriaguez dos “likes” e  “deslikes”, das partilhas ou dos seus seguidores. Outros, ainda, encontram o seu estímulo na monetização — esse fruto do capitalismo que condenam, mas que, prontamente abraçam, traindo num ápice o dogma que lhes inflamou o ímpeto de opinar, e que, com desmedida altivez, insistem em nomear de jornalismo.

E assim prosseguem, inebriados pelo brilho dos números e pelas réplicas incessantes de uma audiência que os aclama, mas que, ironicamente, já pouco ou nada distingue entre o que é substancial e o que é mero espetáculo. O jornalismo — se ainda ousamos chamá-lo assim — é agora uma representação, um teatro onde os atores não se comprometem com a verdade, mas com o aplauso. Vivemos num tempo em que a informação foi trocada pelo artifício, em que a busca pelo real foi substituída pelo eco das próprias convicções. E nesta farsa de autoafirmação, o verdadeiro valor da palavra perdeu-se, deixando-nos, espectadores perplexos, a questionar onde ficou o compromisso com a realidade e se ainda há lugar para a verdade num mundo onde, afinal, tudo é uma questão de aparência.

O Caciquismo Empresarial

  Não ergue castelos, mas constrói “hubs”. Não comanda exércitos, mas manipula “recursos humanos” como quem dispõe da criadagem obediente ...