Saturday, 9 November 2024

Ética, Responsabilidade e Prudência: Uma Análise da Intervenção de Bernardo Blanco e o Caso Tiago Mayan

A análise do comentário do deputado e vice-presidente da Iniciativa Liberal Bernardo Blanco na rede “X”, requer uma reflexão.

Considerações prévias:

  1. Baseado nos factos divulgados pelos meios de comunicação social até à data presente. Todas as informações aqui apresentadas resultam da interpretação das informações divulgadas, assumindo-se, que essas fontes são fiáveis e as informações nelas contidas verdadeiras. No entanto, mantendo sempre, alguma prudência e reserva.

  2. Nas notícias dos órgãos de comunicação social, não há uma referência explícita a que as ações de Tiago Mayan, nomeadamente a falsificação de assinaturas e elaboração de um documento falso,  constituam formalmente um crime. Contudo, o ato de falsificar assinaturas e criar um documento com informações falsas pode ser considerado como um comportamento irregular ou potencialmente ilícito, dependendo do enquadramento jurídico aplicável e da conclusão da investigação judicial.

    Na ausência de uma declaração jurídica ou acusação formal, qualquer interpretação sobre a ilegalidade das ações de Mayan permanece no domínio da suspeita e da avaliação ética, sem uma acusação explícita de crime.

 Factos :

  1. Falsificação: Tiago Mayan, presidente da União de Freguesias (UF) de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, admitiu ter elaborado e falsificado assinaturas numa ata do júri do Fundo de Apoio ao Associativismo Portuense, datada de 16 de setembro, assumindo plena responsabilidade e isentando o executivo e colaboradores.

  2. Fundos e Procedimentos: O Fundo de Apoio ao Associativismo Portuense, com um montante global de 875 mil euros, é administrado pelas juntas de freguesia. Cada freguesia tem um máximo de 120 mil euros atribuídos e deve apresentar o relatório final até 30 de junho, prazo que a UF liderada por Mayan não cumpriu. O município, em setembro, pediu o envio da documentação até ao dia 20 de setembro.

  3. Consequências do Incumprimento: A celebração do contrato interadministrativo com o município foi retirada da reunião executiva de 30 de setembro após uma associação ter impugnado o procedimento. A impugnação indicava uma violação da lei, alegando falta de audiência prévia dos interessados.

  4. Demissão de Cargo: A 8 de novembro, Mayan anunciou a sua demissão, alegando razões pessoais e reiterando que a responsabilidade dos atos lhe pertence exclusivamente, sem interferência dos restantes membros.

  5. Contexto Político: Tiago Mayan foi eleito em 2021 pelo movimento “Rui Moreira: Aqui Há Porto”, com apoio da Iniciativa Liberal, CDS, Nós Cidadãos e MAIS, e em julho de 2024 formalizou a sua candidatura à liderança da Iniciativa Liberal por discordar do rumo atual do partido.

Considerações Ética:

  1. Quebra de Confiança: Tiago Mayan, como representante público, violou a confiança da comunidade ao falsificar assinaturas e elaborar um documento com informações inexatas, minando a integridade do processo de apoio ao associativismo.

  2. Compromisso com a Transparência: A falsificação e atribuição indevida de responsabilidades denotam uma falha no dever de transparência que se espera de figuras públicas, enfraquecendo a confiança das pessoas nas instituições.

  3. Princípios Éticos Violados: A conduta de Mayan transgride princípios de honestidade, responsabilidade e prestação de contas, valores fundamentais para qualquer servidor público.

  4. Reconhecimento de Culpa: Embora Mayan tenha assumido a responsabilidade total pelo ato, isentando os colegas, este reconhecimento apenas mitiga parcialmente a situação e não anula o impacto negativo para a credibilidade da sua liderança.

A minha conclusão considerando o comentário de Bernardo Blanco

  1. Presunção de Inocência e Definição de Crime: Diz-nos a Constituição da República Portuguesa, no seu Artigo 32.º, que o princípio da presunção de inocência é uma pedra angular do nosso sistema legal. Embora o próprio Tiago Mayan tenha alegadamente admitido a falsificação de assinaturas, e eu até concedo que o tenha feito, embora me abstenha de julgar, nunca é demais relembrar que a definição de "crime" e a imputação de culpa pertencem aos tribunais e não aos “pregadores”, por mais altivos que estes se sintam no seu “opinanço”. Qualquer figura pública, especialmente quando investida da responsabilidade de deputado, deve evitar o uso desmedido e precipitado de expressões condenatórias que criam alarido e que não têm suporte legal. Etiquetar como “crime” sem a chancela de uma sentença judicial é um exercício, no mínimo, imprudente e, no máximo, potencialmente difamatório, principalmente para um político, que tem responsabilidades acrescidas.

  2. Respeito pelos Procedimentos Internos da Decisão do Partido: A Lei dos Partidos Políticos confere autonomia às formações partidárias para definirem as suas regras e procedimentos, e no caso do Iniciativa Liberal, ditam os estatutos e as boas práticas, qualquer decisão de expulsão deve resultar de um processo imparcial que está devidamente regulamentado, não de um julgamento sumário na praça pública “virtual”. Que o vice-presidente manifeste a sua opinião pessoal sobre uma eventual expulsão é legítimo, embora arriscado, sobretudo se não ressalvar que se trata apenas de uma posição individual, evitando a confusão que a sua posição de relevo no IL pode causar, levando a interpretações erróneas de que expressa uma posição oficial do partido. Ao emitir a sua opinião com ares de autoridade, como quem julga e sentencia, parece mais uma tentativa de influenciar o parecer dos órgãos competentes. As decisões disciplinares pertencem aos órgãos competentes, que, conforme ditam as regras democráticas do IL, devem ser conduzidas num processo transparente, sem serem contaminadas por opiniões pessoais no púlpito da rede “X”.

  3. Ética e Transparência na Comunicação: É claro e basilar que figuras públicas, em especial um vice-presidente partidário, que têm um fardo de responsabilidade adicional quando se dirigem ao público. Não é um bom augúrio para um partido de pessoas livres e liberais a prática da autoproclamação de idoneidade num momento de crise, é como vender confiança por palavras onde ela deve ser visível aos olhos de todos sem necessidade de alarde. A idoneidade, por definição, é algo que se sente, não se proclama, e o discurso de “seriedade” e “integridade” autoproclamada arrisca-se a soar a um pedido de validação, ou pior, a uma tentativa de distrair os militantes de algumas fragilidades internas do IL.

  4. Liberdade de Expressão: A liberdade de expressão é um valor precioso da nossa Constituição (Artigo 37.º), mas essa liberdade exige o dever de comedimento no uso das palavras. Associar o comportamento de Tiago Mayan a um “ato criminoso” antes de qualquer decisão judicial é um exercício de liberdade que, paradoxalmente, ameaça a própria liberdade do visado. Figuras públicas, especialmente aquelas com relevância política como Bernardo Blanco, têm a responsabilidade de evitar juízos sumários que possam, perante o público, dar a impressão de querer influenciar processos judiciais. Não se pode, em suma, aventurar-se no terreno escorregadio do julgamento popular, terreno onde o próprio já criticou adversários políticos de se perderem.

  5. Tentativa de Misturar o Debate Interno com Este Caso: Por fim, tenho de assinalar que o comentário do deputado sugere uma inusitada e, quiçá, inconveniente tentativa de colar este caso de Tiago Mayan à sua liderança da oposição interna. Que há uma vontade de desacreditar a oposição interna parece bem evidente, por parte de Bernardo Blanco. Num partido que é plural e democrático, o confronto de ideias é um tónico revigorante e uma garantia de vitalidade. Fazer com que este episódio de Mayan seja usado como munição contra o debate interno não só é um disparate, mas um desrespeito pela própria liberdade que o IL tanto valoriza. A diversidade de opiniões é de enaltecer num partido político e deve ser acolhida como tal, e não amordaçada ou misturada com a situação atual. Mais parece que o zeloso vice-presidente quis aqui jogar a cartada de desviar o foco e subjugar as vozes de divergência com um laivo de ironia.

A prudência deveria orientar aqueles que se arrogam guardiões da ética e do rigor, confiando nos trâmites legais e internos e permitindo que a justiça siga o seu curso sem pressões nem prosápias desmedidas. Já se falaram e escreveram palavras em excesso, quando a sensatez nos sugere esperar antes de nos lançarmos ao tribunal da praça pública, e, se ainda assim decidirmos pronunciar-nos, que o façamos com a cautela e a discrição de quem reconhece não estar na posse de todas as peças deste episódio, por mais evidentes que as respostas nos possam parecer à primeira vista.

Permitam-me ainda acrescentar que, na minha opinião – uma convicção pessoal, não isenta de falhas –, Tiago Mayan deveria, até mesmo para preservar o partido que ajudou a fundar, considerar voluntariamente suspender a sua militância até que tudo se apure. Contudo, se algo ficou inequivocamente claro neste caso, é a manifesta incompetência no exercício das funções que desempenhava, evidenciada pelo simples facto de não ter cumprido o seu dever na gestão do processo dos fundos, como lhe competia.

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