Friday, 20 June 2025

O Caciquismo Empresarial

 

Não ergue castelos, mas constrói “hubs”. Não comanda exércitos, mas manipula “recursos humanos” como quem dispõe da criadagem obediente de séculos passados. Tal como os antigos senhores feudais, reina, não por direito divino, mas por sucessão de favores, alianças informais e jantares estratégicos, onde a sobremesa é sempre uma promessa e o café na copa um pacto tácito. Falo-vos do novo cacique empresarial.

Este cacique dos tempos modernos não brada ordens. Sussurra influências. É virtuoso no compadrio e mestre na arte do organigrama parasitário, onde os cargos se distribuem como brasões hereditários. As promoções não brotam do mérito ou da ousadia, mas de um enigmático “networking” que, na prática, se traduz em saber quem bajular, quando sorrir e onde calar.

Quando declara procurar alguém que “encaixe na cultura da empresa”, entoa apenas a ladainha, ocultando sempre com mestria o critério tácito de que só entra quem fala, se curva e sorri como ele. A tão celebrada “cultura da empresa” é, na verdade, uma estratégia de reprodução de classe, onde os afilhados se reconhecem pelo timbre da voz, pelo colarinho impecável e pela reverência calculada.

Este potentado moderno, de camisas de marca e léxico empolado recheado de “sinergias”, “insights” e “alinhamentos estratégicos”, rodeia-se de uma corte de bajuladores. Cada qual na sua cadeira giratória, fingindo produtividade enquanto orbita em torno do ego central. É um sistema heliocêntrico de vaidades. No centro, o cacique. Na periferia, subdirectores, chefes de equipa e consultores, todos a girar com pose de importância, mas sem gravidade própria.

O talento autêntico, quando ousa florescer fora desse esquema, é rapidamente extirpado. Nada ameaça mais o caciquismo do que um espírito livre com ideias próprias. O pensamento crítico é tratado como heresia. A inovação, como insolência. O mérito, como um cavalo de Troia a ser domesticado antes que contagie.

Nesta monarquia empresarial celebra-se uma liturgia feita de “calls”, “corporate talks” e “follow-ups”, onde o conteúdo é secundário e o essencial é manter a aparência de ação. O cacique aprecia ver a sua gente ocupada, ainda que seja a trocar e-mails cerimoniais numa dança vazia e sem propósito.

A gestão ocorre por “chat” às seis da tarde, para demonstrar empenho, e por reuniões às nove da manhã ou na hora de almoço, para testar a servidão. A eficácia perde-se nos documentos partilhados e não lidos e nos “dashboards” gerados por modelos de inteligência artificial que exibem gráficos coloridos e conclusões dúbias.

E quando, por sorte ou desgraça, uma crise abala a estrutura — seja um escândalo, um contrato falhado ou um protesto — o cacique desaparece, deixando o séquito a arder no incêndio que ele próprio ateou. Ressurgirá depois com nova gravata e título repaginado, noutro principado empresarial, onde será saudado como salvador graças às cartas de recomendação trocadas entre pares que se protegem como membros de uma confraria mafiosa.

Em Portugal, esse jardim à beira-mar plantado, as empresas são geridas como mercearias de bairro. Todos devem, mas o merceeiro continua a vender fiado, agarrado à ilusão de que algum dinheiro novo garantirá mais um dia de sobrevivência numa falência há muito anunciada.

O caciquismo empresarial não é exceção. É a regra. E se algum ingénuo ousar denunciá-lo, será desacreditado, silenciado ou, pior, absorvido por uma equipa onde a sua denúncia será convertida em “proposta de melhoria” e enterrada sob atas e verniz institucional. A mordaça, já então oficializada, disfarçar-se-á de boa gestão.

Assim se perpetuam a corte, a farsa e o feudo. Entre o Excel e a Excelência, entre a bajulação e a burocracia, entre o café na copa e o caos institucional, reinam os caciques. Senhores de tudo e responsáveis por nada, numa Lisboa que, cada vez mais, exala o odor de capital disfarçada de cidade de província.

E os pobres vassalos sacrificam a dignidade, sonhando que a sua obediência canina e zelo submisso lhes rendam a pequena lotaria do sistema. O sorriso do padrinho. O cargo de assessor do líder das “práticas”. A esmola dourada da influência. Renunciam ao carácter, nutrindo a esperança de serem recompensados com um pouco mais de coisa alguma.

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