Tuesday, 31 December 2024

A Hipocrisia do Passado e a Miséria do Presente

Porque aqui habitam portugueses — essa prole de gerações sucessivas, safra da mediocridade resignada, uma pequenez de alma tão meticulosa quanto impenetrável. É um povo que acolhe apenas até ao limite em que o cálculo do interesse o permite. A hospitalidade é uma máscara, e a inveja, uma natureza tão enraizada que, na avareza, se contenta em possuir pouco, desde que o outro possua menos ainda. Renuncia-se ao que se poderia ganhar não por desapego, mas apenas pela mesquinha volúpia de assegurar que nenhum dos que o rodeiam ousará ter algo mais.

Evocam-se tempos idos, como quem lança uma vã e inútil cruzada para polir a putrefacta mediocridade que há muito nos define e corrói. Clama-se pelos descobrimentos e pelos heróis que, enfrentando mares e tempestades, ousaram cruzar o desconhecido — movidos mais pela ânsia de pilhar do que pelo desígnio de colonizar. Há quem, com eloquência trabalhada e hábil manobra de retórica, procure pintar o contrário, mas eu insisto: não partiram por bravura, mas pela ânsia de escapar à miséria, à resignação e ao torpor de quem não soube transformar o infortúnio em oportunidade.

Chamam-lhe feitos grandiosos, moldados aos valores de um tempo já há muito enterrado na poeira dos séculos. E, contudo, esses feitos são hoje celebrados com pompa e acompanhados pela dissimulada hipocrisia de quem se pretende legítimo herdeiro de um legado que nunca foi seu e que, na verdade, não passa de uma impostura. Toda a existência se moldou na mentira: partiram, não por grandeza ou glória, mas pela urgente necessidade de fugir à miséria de uma vida breve e opaca — e, se a fortuna assim o permitisse, para nunca mais regressar.

É um estigma que, na azáfama dos nossos dias, carregamos como um lastro e odiamos como uma sina. Alguns, por infortúnio da inteligência, reconhecem-no e tentam dele escapar e, tal como os de tempos idos, fogem em debandada, levando consigo a amarga certeza de que as oportunidades, aqui, jamais os alcançarão. Os inteligentes, evadem-se sem desculpas ou artifícios: sabem, com a lúcida clareza que a inteligência lhes concede, que não há fuga possível ao círculo vicioso que, há séculos, nos enreda. Um ciclo que, implacável, prossegue sem descanso, indiferente ao cansaço do tempo ou ao desgaste dos séculos.

Estes, porém, serão bem-sucedidos. Adotarão outras nacionalidades, orgulhar-se-ão dos países que os acolheram, igualaram e celebraram. Carregarão, no entanto, uma vergonha velada da portugalidade, que a sua inteligência jamais lhes permitirá declarar abertamente. Dir-se-ão eternamente portugueses, mas, nas entrelinhas das suas palavras, louvarão as terras alheias que lhes ofereceram um lugar ao sol. E, com subtileza, manterão uma ténue alusão à sua origem, suficiente apenas para escapar ao escárnio das raízes que deixaram para trás.

Quanto aos comuns, de inteligência mediana — essa peculiar categoria que, em Portugal, é menos rara do que a dos verdadeiramente inteligentes e, ainda assim, marcada pela escassez — não são inteiramente estúpidos, mas estão igualmente distantes de qualquer brilho notável. Formam, pois, uma parcela ainda mais insignificante da nossa paisagem intelectual, que alguns, com uma insistência risível, teimam em designar como “a média”.

Partem, imitando, por força de uma cópia mal feita das ações dos inteligentes, ainda que estas não lhes sejam aplicáveis. Com a sua capacidade mediana, tornam-se lá, mais do que cá, os capachos de povos que os recebem com uma candura estudada e uma benevolência calculada, típica de quem trata como igual aquilo que, de facto, sabem ser diferente. Serão os servos cuja força de trabalho fará brilhar outras terras, com um esforço árduo que, embora mais bem pago do que aqui, se presta lá sem a lamúria que por cá causaria um pranto incessante. Lá, aceitam de bom grado a pataca e meia, que quem paga sabe ser escassa, mas que, sustentada pelos valores limitados e a interiorizada aceitação do “poucochinho”, os fará exibir um orgulho desajustado — um orgulho que não deveriam ter e do qual, de facto, nada há a celebrar.

Por fim, deparamo-nos com os Lerdos e os Tolos, essa dupla que, em igual número, parece equilibrar-se numa ironia tão triste quanto mordaz. Os primeiros, os Lerdos, são raros os que, movidos por ímpeto, ousam aventurar-se além-fronteiras. Mas, cedo desiludidos, regressam. Aqueles que, pela falta de meios ou de sorte, não conseguem voltar, permanecem lá como escravos, o que pouco altera a sua condição, pois aqui também o seriam — não pela dureza das circunstâncias que os condenaram lá, mas pelo desprezo que a sua breve audácia inspira nos que por cá ficaram. Na melhor das hipóteses, ascendem à indigência, título que lhes confere alguma singularidade social, embora igualmente irrelevante.

E sejamos sinceros, sem adornos nem evasivas. Por mais discursos que se teçam ou proclamações que se ergam, ninguém em plena consciência se preocupa realmente com o destino que lhes cabe. São peças descartáveis num jogo maior cuja engrenagem pouco ou nada sofre com a ausência ou o fracasso.

Os restantes, a par com os Tolos, permanecem por cá. Estes, no entanto, têm reservado para si um papel relevante: tornam-se os nossos regentes intelectuais, os jornalistas que o povo, com complacência acrítica, transformou em “influencers”. São as elites que atravessam todos os espectros ideológicos, da esquerda à direita, dos liberais aos conservadores. E assim se perpetua, com devoção, a herança de séculos de uma “raça” de incompetentes, corruptos e coletivistas que alimentam a inveja e que, de forma perversa, se afirmam virtuosos.

E desenganem-se os que se indignam ao ler o que escrevo, seja por familiaridade, por boa vontade, ou por um lampejo de virtude que os leve a pensar que me excluo deste pântano ou que, se nele me incluo, me arrogo ao título dos “inteligentes”. Não, não, meus senhores e minhas senhoras, não alimento tal ilusão. Sei bem que pertenço aos “Tolos” — e carrego a triste consciência de o saber.

Wednesday, 25 December 2024

Um Teatro de Decência Encenada

Na Rua do Benformoso, sob um céu riscado de azul como que pintado de propósito para a ocasião, os primeiros foguetes rasgam o ar, anunciando o início do cortejo. O estampido ecoa nas pedras gastas da calçada, como se acordasse os transeuntes e afugentasse para as sombras os habituais proxenetas, traficantes e outras personagens da boémia suburbana. Um murmúrio percorre a multidão reunida nas margens do percurso, uma mescla de reverência e curiosidade que denuncia a atração irresistível pelo sagrado — ou, pelo menos, pelo espetáculo.

Os acólitos, vestidos de azul e armados com bastões que mais evocam um tribunal itinerante do que uma procissão religiosa, avançam com precisão militar pelos flancos do cortejo. Com uma cordialidade ensaiada, pedem aos presentes que se encostem às paredes, enquanto o Magistrado-Mor, figura solene de porte imaculado, observa e supervisiona cada movimento. É ele quem garante a integridade do ritual, zelando para que nem um murmúrio fora de tom perturbe o protocolo. Encostados às paredes, com as mãos pousadas sobre as fachadas degradadas ou sobre dizeres indecorosos, os fiéis aguardam com expectativa e uma pitada de temor, como réus diante do veredicto divino.

No cortejo desfilam pessoas de todos os credos e religiões, de todas as cores e estaturas, compondo um mosaico humano onde se misturam tons e texturas. As cores, por vezes encardidas pela sujidade, pelos excessos das substâncias proibidas ou pela inevitável marca do ADN, permanecem alheias a julgamentos. Firmes e convictas, permanecem indiferentes ao olhar crítico ou à misericórdia ocasional que a ocasião possa inspirar.

No descompasso da procissão seguem os Pachecos, ostentando o velho testamento laranja como um emblema de outrora, embora as suas páginas contradigam o novo — que, sendo também velho, já não evoca a memória romântica de tempos idos. Não é nos textos que reside o saudosismo, mas antes na velhice carregada de cicatrizes de guerras, onde nunca se distinguiu como herói. É essa nostalgia, misturada com o peso de desilusões mal digeridas, que lhe confere o ímpeto de repetir, com uma serenidade quase imprópria, a vergonha que sente.

Falta-lhe, no entanto, aquela estrutura invisível que sustenta os homens de carácter: a coluna vertebral, moral e metafórica, que lhe permitiria caminhar pela procissão com a dignidade dos que sabem ser julgados, mas não condenados. No seu caso, é o desconforto que lhe confere uma força provisória, uma espécie de vigor artificial, tão efémero quanto as poses que ensaia, servindo apenas para encobrir a falta de um verdadeiro sentido de vergonha — essa virtude rara que só os espíritos bem estruturados podem ostentar sem esforço.

Na vanguarda do cortejo, os sacerdotes, ladeados pelos seus acólitos, avançam aspergindo os pecados da multidão com gestos amplos e solenes. O suor da comoção escorre pelas faces e mãos dos penitentes, enquanto a proclamação retumba no ar: "Estais limpos!". E assim, os pecadores de menor monta são libertados para prosseguir no cortejo, com os fardos espirituais aliviados por uma graça que, ainda que efémera, lhes parece suficiente.

Mas nem todos escapam à solenidade do ritual. Os mais pesados de pecados, aqueles cuja alma parece atulhada de faltas, são retirados do caminho e escoltados, entre murmúrios e olhares curiosos, até aos calabouços da sacristia. Alguns, dizem, serão submetidos a uma expurgação mais intensa, um ajuste de contas espiritual que promete libertá-los dos seus fardos.

Ao fundo, porém, os ateus mantêm-se entrincheirados, um enclave de desdém que nada os abala. Filmam com telemóveis, tiram fotografias com um prazer que parece quase pueril e, entre risos abafados, deixam escapar blasfémias tão ensaiadas quanto o cortejo que criticam. "Onde estão os pecadores?", perguntam, com sorrisos tortos, enquanto descrevem em altos brados aquilo que esperavam ver e não viram. O seu coro desafinado, contudo, pouco perturba o ritmo da procissão, que avança indiferente, resguardada sob o escudo da fé — ou seria da lei? — ou talvez apenas pela teimosa persistência do hábito.

Na esteira da procissão, são os entrincheirados, aqueles mesmos que antes observavam com desdém, que agora lideram a rusga. Irrompem pela rua com a determinação implacável de quem se autoproclamou guardião da justiça e do bem. Avançam resolutos, uma assembleia que, embora diversa em género, se revela marcadamente homogénea no privilégio — caucasianos, abastados, donos de um conforto que lhes confere a audácia de se apresentarem como senhores da moral. Empunham armas de "espinhos" e pétalas vermelhas, num misto de real e metafórico, e, com uma crueldade metódica, submetem os recém-absolvidos a uma revista implacável das suas almas, despojando-os de qualquer pureza que ainda pudesse ter sobrevivido ao caos.

Cerceados à força, sem consentimento e desprovidos da mínima cordialidade, os pecadores, agora vítimas, são confrontados com símbolos que não compreendem, ritos que não partilham e uma cultura que jamais tiveram a oportunidade de absorver ou incorporar. Na sua cruzada, os "soldados" brandem a hipocrisia como virtude e a astúcia como método, mascarando sob o véu de uma pretensa superioridade moral os mesmos métodos de opressão que marcaram as rusgas mais sombrias da história — ecos distantes, mas inegáveis, de Holodomor, Stalin e Hitler.

A rua, que fora há instantes cenário de ordem e penitência, converte-se agora num palco de imposições e fanatismo, onde a pureza é extirpada sem delicadeza, e a força bruta da moral sobrepõe-se à solenidade que marcara a procissão anterior. Tudo em nome de um poder efémero e de um protagonismo desprovido de substância, tão oco quanto a glória que se esforçam por usurpar.

E nesta procissão que é rusga, e na rusga que é procissão, todos se despiram da decência que nunca verdadeiramente possuíram. De decentes a indecentes se fizeram num piscar de olhos. O único triunfo foi o da hipocrisia, agora entronizada como soberana incontestável deste curioso teatro social. Reina agora altiva e sem resistência.

Aqui imerge o requinte desta tragicomédia — ou antes, desta farsa de pretensões e contradições. Os seus atores, tão empenhados na pompa do espetáculo, parecem ignorar que o público mais atento — se porventura o há — desvia o olhar do enredo e se detém, antes, no grotesco reflexo que este projeta. Eis, pois, a mais saborosa das ironias: nesta correria desenfreada por virtudes proclamadas e purezas encenadas, ninguém parece dar pela lama que arrasta consigo, uma lama espessa que não apenas suja, mas revela, sem piedade, a verdadeira natureza de quem nela se movimenta.

Sunday, 1 December 2024

Os Medíocres

Há uma classe de criaturas que povoa o nosso Portugal: “Os Medíocres”. Não são heróis nem vilões, para isso, seria necessário um vigor que lhes é desconhecido. Também não são propriamente inofensivos. O seu dano, embora lento e subtil, é por isso mesmo ainda mais insidioso. São, em suma, o torpor humano transformado em sistema, a apatia erigida a estatuto.

Não se pense, porém, que os medíocres agem por pura preguiça. Há, na sua mediocridade, método e astúcia. Sabem que a mediocridade é confortável, que não ofende nem inspira. O medíocre nunca é ameaçado porque nunca se destaca em demasia. Vive na penumbra da respeitabilidade destemperada, onde as ideias nunca são demasiado novas e os costumes demasiado velhos.

O medíocre destaca-se pelo talento da prodigiosa capacidade de fazer pouco, mas aparentar que fez o suficiente para merecer uma ovação. É o burocrata que, diante de uma pilha de e-mails e documentos — digitais ou empoeirados —, suspira com o dramatismo de quem carrega nos ombros o fado de Portugal. A dedicação que aparenta não passa de uma encenação, projetando aos olhos de quem observa a falsa ilusão da devoção que não tem. Na prática, as suas manhãs são consagradas à tarefa minuciosa de fingir limpar o teclado, enquanto aparenta teclar freneticamente algo de grande relevância. E as tardes, por sua vez, consagram-se à verificação cuidadosa de que esta ilusão permanece intacta. Entre um "like" lançado na madrugada e uma verificação vespertina dos comentários nas redes sociais, o tempo desvanece-se sem pressa e sem propósito.

Eles estão presentes em vários campos da nossa vida, onde a mediocridade encontra formas diversas de se manifestar. Do mundo empresarial às esferas do poder, das aldeias às cidades, do ofício das palavras ao palco da política, eles proliferam.

No mundo empresarial, o medíocre “manager” ou administrador, de gravata impecavelmente ajustada, com decisões em barda por tomar e, com uma dissimulação cuidadosamente coreografada, eleva a delegação ao estatuto de sacerdócio. Das suas mãos não brota obra alguma, apenas o subtil deslizar de responsabilidades, conduzidas com a solenidade de quem manuseia um relicário sagrado. Os subordinados, fervorosos devotos da liturgia da inércia, replicam o gesto, passando as tarefas e as decisões de mão em mão numa procissão diligente, que só encontra o seu fim quando um acólito menos reverente à santa mediocridade, com algum zelo, decide finalmente concluí-las.

Faz pouco, decide ainda menos, mas procrastina com mestria, sustentando, com o ar solene de quem exala responsabilidade e competência, a glorificação magistral da sua própria mediocridade. E fá-lo com tal imponência que, num golpe de ironia, converte o que deveria passar despercebido num triunfo aparente, mascarado de virtude, como se a sua única conquista fosse, afinal, a glorificação da falha cuidadosamente disfarçada.

Na política, o medíocre, armado de palavras repletas de promessas, exalta o progresso com a mesma veemência com que se empenha em travá-lo. O fervor do seu discurso é feito dos votos de louvor e pesar que apregoa. Sabe bem que a ovação está sempre garantida, não pelo mérito da sua palavra, mas pela glória fugaz dos que no seu discurso nomeia e astutamente engrandece, para colher em seu nome os ecos do aplauso alheio. E assim, oculta-se, na espessa névoa do poucochinho, onde transforma a mediocridade em virtude e a insignificância em triunfo. A sua acção é inversamente proporcional à eficácia do que proclama, mas jamais concretiza. Enquanto proclama o progresso, prepara os entraves a qualquer mudança. Proclama grandes reformas enquanto perpetua os velhos vícios do sistema, mantendo intactas as amarras que jurou quebrar.

No fundo, é um mestre na arte de parecer avançar enquanto recua, travando com destreza tudo aquilo que aparenta defender. É a perfeita caricatura de si mesmo — imóvel e exagerado —, como um desenho sarcástico que eterniza os seus traços, risíveis, mas cuidadosamente mascarados, garantindo que a mediocridade que o acompanha nunca seja exposta. É, em suma, aquele que transforma o imobilismo numa arte refinada e eleva a estéril inoperância do seu quotidiano à dissimulada dignidade de uma filosofia que abraça como estilo de vida, repetindo-a com teimosia, como se o tempo jamais pudesse exauri-lo ou a realidade despertá-lo.

No campo da mediocridade jornalística, temos o “jornaleiro”, que é, sem dúvida, o mais hábil de todos, um verdadeiro artífice do nada, capaz de revestir o frívolo com a aparência de profundidade e de transformar o insignificante numa manchete de destaque. É o colunista que preenche colunas com diligência mecânica, tratando banalidades com pompa e circunstância. É o escritor de editoriais que enreda o leitor num labirinto de palavras ornamentadas, confundindo prolixidade com erudição, enquanto mascara a ausência de ideias sob camadas de frases sinuosas, onde o sentido, inevitavelmente, se perde. Mas é o crítico quem se destaca nesta trupe “jornaleira”, elevando-se não pelo seu próprio brilho, mas pelo prazer de desmontar o labor alheio, erguendo a sua vanglória sobre os escombros daquilo que destrói. Estes, ao contrário dos outros, não temem o novo, desde que o novo seja suficientemente velho para parecer familiar.

Mas, a mediocridade também se manifesta, com particular fulgor, nas tertúlias que decorrem no café da aldeia. Ali, os medíocres exibem as suas opiniões como os pescadores que descrevem, com entusiasmo, o tamanho descomunal do peixe que nunca apanharam. Falam com grande autoridade sobre temas que não dominam e discutem a economia como quem ajusta o orçamento da mercearia. Aplaudem o passado, porque o passado já não os incomoda, e desconfiam do futuro porque este é incerto.

Nas cidades, apresentam-se bem trajados, circulam por escritórios climatizados e dominam com mestria a arte de parecerem atarefados. Transportam o “laptop” e dedicam-se a responder a e-mails e a participar em conversas irrelevantes nas redes sociais, com uma diligência que faria corar de vergonha o mais meticuloso dos monges copistas. Já em casa, à mesa de jantar, não perdem a oportunidade de se gabar do seu “árduo” dia de trabalho, enquanto, num tom lamuriante, se queixam do trânsito, do governo e do preço dos tomates que, ironicamente, parecem faltar-lhes, como se tudo isso conspirasse contra a sua suposta grandeza.

Independentemente da profissão, credo ou estatuto social, os medíocres partilham entre si uma aliança silenciosa, um pacto que garante a sua sobrevivência. Protegem-se uns aos outros com devoção, porque sabem que a exposição de um ameaça todos. Este é o seu seguro de vida, a barreira que os resguarda do escrutínio e mantém intacta a ilusão de mérito. Na hierarquia invisível da mediocridade, impera o princípio de que a crítica é perigosa, não porque revele falhas, mas porque pode abrir brechas no muro de complacência que os mantém a salvo. Assim, louvam-se mutuamente em público, ignoram os erros uns dos outros e sustentam, com lealdade, o equilíbrio precário que lhes permite prosperar na penumbra. Afinal, para o medíocre, o verdadeiro perigo não é a sua falta de mérito, mas a possibilidade de que alguém ouse apontá-la.

No entanto, o medíocre fascina, é um sobrevivente, uma criatura adaptada à mediocridade do nosso mundo. Nunca se lança ao abismo, mas também nunca escorrega na borda. Vive uma vida mediana, morre de uma morte mediana e deixa um legado mediano. Talvez, no fundo, os medíocres sejam os verdadeiros génios do nosso tempo, porque perceberam que o esforço é uma invenção perigosa e o brilho, uma condenação anunciada.

O Caciquismo Empresarial

  Não ergue castelos, mas constrói “hubs”. Não comanda exércitos, mas manipula “recursos humanos” como quem dispõe da criadagem obediente ...