Porque aqui habitam portugueses — essa prole de gerações sucessivas, safra da mediocridade resignada, uma pequenez de alma tão meticulosa quanto impenetrável. É um povo que acolhe apenas até ao limite em que o cálculo do interesse o permite. A hospitalidade é uma máscara, e a inveja, uma natureza tão enraizada que, na avareza, se contenta em possuir pouco, desde que o outro possua menos ainda. Renuncia-se ao que se poderia ganhar não por desapego, mas apenas pela mesquinha volúpia de assegurar que nenhum dos que o rodeiam ousará ter algo mais.
Evocam-se tempos idos, como quem lança uma vã e inútil cruzada para polir a putrefacta mediocridade que há muito nos define e corrói. Clama-se pelos descobrimentos e pelos heróis que, enfrentando mares e tempestades, ousaram cruzar o desconhecido — movidos mais pela ânsia de pilhar do que pelo desígnio de colonizar. Há quem, com eloquência trabalhada e hábil manobra de retórica, procure pintar o contrário, mas eu insisto: não partiram por bravura, mas pela ânsia de escapar à miséria, à resignação e ao torpor de quem não soube transformar o infortúnio em oportunidade.
Chamam-lhe feitos grandiosos, moldados aos valores de um tempo já há muito enterrado na poeira dos séculos. E, contudo, esses feitos são hoje celebrados com pompa e acompanhados pela dissimulada hipocrisia de quem se pretende legítimo herdeiro de um legado que nunca foi seu e que, na verdade, não passa de uma impostura. Toda a existência se moldou na mentira: partiram, não por grandeza ou glória, mas pela urgente necessidade de fugir à miséria de uma vida breve e opaca — e, se a fortuna assim o permitisse, para nunca mais regressar.
É um estigma que, na azáfama dos nossos dias, carregamos como um lastro e odiamos como uma sina. Alguns, por infortúnio da inteligência, reconhecem-no e tentam dele escapar e, tal como os de tempos idos, fogem em debandada, levando consigo a amarga certeza de que as oportunidades, aqui, jamais os alcançarão. Os inteligentes, evadem-se sem desculpas ou artifícios: sabem, com a lúcida clareza que a inteligência lhes concede, que não há fuga possível ao círculo vicioso que, há séculos, nos enreda. Um ciclo que, implacável, prossegue sem descanso, indiferente ao cansaço do tempo ou ao desgaste dos séculos.
Estes, porém, serão bem-sucedidos. Adotarão outras nacionalidades, orgulhar-se-ão dos países que os acolheram, igualaram e celebraram. Carregarão, no entanto, uma vergonha velada da portugalidade, que a sua inteligência jamais lhes permitirá declarar abertamente. Dir-se-ão eternamente portugueses, mas, nas entrelinhas das suas palavras, louvarão as terras alheias que lhes ofereceram um lugar ao sol. E, com subtileza, manterão uma ténue alusão à sua origem, suficiente apenas para escapar ao escárnio das raízes que deixaram para trás.
Quanto aos comuns, de inteligência mediana — essa peculiar categoria que, em Portugal, é menos rara do que a dos verdadeiramente inteligentes e, ainda assim, marcada pela escassez — não são inteiramente estúpidos, mas estão igualmente distantes de qualquer brilho notável. Formam, pois, uma parcela ainda mais insignificante da nossa paisagem intelectual, que alguns, com uma insistência risível, teimam em designar como “a média”.
Partem, imitando, por força de uma cópia mal feita das ações dos inteligentes, ainda que estas não lhes sejam aplicáveis. Com a sua capacidade mediana, tornam-se lá, mais do que cá, os capachos de povos que os recebem com uma candura estudada e uma benevolência calculada, típica de quem trata como igual aquilo que, de facto, sabem ser diferente. Serão os servos cuja força de trabalho fará brilhar outras terras, com um esforço árduo que, embora mais bem pago do que aqui, se presta lá sem a lamúria que por cá causaria um pranto incessante. Lá, aceitam de bom grado a pataca e meia, que quem paga sabe ser escassa, mas que, sustentada pelos valores limitados e a interiorizada aceitação do “poucochinho”, os fará exibir um orgulho desajustado — um orgulho que não deveriam ter e do qual, de facto, nada há a celebrar.
Por fim, deparamo-nos com os Lerdos e os Tolos, essa dupla que, em igual número, parece equilibrar-se numa ironia tão triste quanto mordaz. Os primeiros, os Lerdos, são raros os que, movidos por ímpeto, ousam aventurar-se além-fronteiras. Mas, cedo desiludidos, regressam. Aqueles que, pela falta de meios ou de sorte, não conseguem voltar, permanecem lá como escravos, o que pouco altera a sua condição, pois aqui também o seriam — não pela dureza das circunstâncias que os condenaram lá, mas pelo desprezo que a sua breve audácia inspira nos que por cá ficaram. Na melhor das hipóteses, ascendem à indigência, título que lhes confere alguma singularidade social, embora igualmente irrelevante.
E sejamos sinceros, sem adornos nem evasivas. Por mais discursos que se teçam ou proclamações que se ergam, ninguém em plena consciência se preocupa realmente com o destino que lhes cabe. São peças descartáveis num jogo maior cuja engrenagem pouco ou nada sofre com a ausência ou o fracasso.
Os restantes, a par com os Tolos, permanecem por cá. Estes, no entanto, têm reservado para si um papel relevante: tornam-se os nossos regentes intelectuais, os jornalistas que o povo, com complacência acrítica, transformou em “influencers”. São as elites que atravessam todos os espectros ideológicos, da esquerda à direita, dos liberais aos conservadores. E assim se perpetua, com devoção, a herança de séculos de uma “raça” de incompetentes, corruptos e coletivistas que alimentam a inveja e que, de forma perversa, se afirmam virtuosos.
E desenganem-se os que se indignam ao ler o que escrevo, seja por familiaridade, por boa vontade, ou por um lampejo de virtude que os leve a pensar que me excluo deste pântano ou que, se nele me incluo, me arrogo ao título dos “inteligentes”. Não, não, meus senhores e minhas senhoras, não alimento tal ilusão. Sei bem que pertenço aos “Tolos” — e carrego a triste consciência de o saber.