Friday, 8 December 2023

O Bordel : Batalhão da Expropriação

A 'Fraternidade Socialista do Véu Dourado', com o Cabrão, o Mal Parido e o Catraio, emerge quase como uma paródia de si mesma, desempenhando o principal papel na farsa orquestrada no coração do Bordel. Ostenta-se como um universo peculiar repleto de nuances e paradoxos, permeando o tecido social e político e insinuando compreender as dinâmicas sociais, que se desvanecem no abismo que separa a intenção da ação. Esta dinâmica, que poderia facilmente integrar uma obra teatral de Eugène Ionesco, entrelaça o absurdo e a realidade com mestria, empenhando-se em “expressar o sentido do sem sentido da condição humana”1

Com um toque de ironia quase palpável, a Fraternidade reflete a luta constante entre ideais sublimes e uma realidade frequentemente divergente, onde o discurso de justiça e igualdade muitas vezes se perde nas névoas da prática e da conveniência. Circunstância que a transforma não em apenas num grupo, mas sim num espelho distorcido das grandes lutas, esperanças e, acima de tudo, das ironias de uma sociedade que busca, talvez em vão, um equilíbrio entre o idealismo e o pragmatismo.

Deste modo, a ‘Fraternidade Socialista do Véu Dourado’ assume a forma de uma metáfora quase cómica do eterno drama humano: a aspiração por um mundo melhor, em perpétuo conflito com a realidade das imperfeições humanas e das contingências da vida. Um lembrete subtil, porém astuto, de que, por vezes, as mais grandiosas narrativas ideológicas são, no fim de contas, apenas isso – narrativas.

No entanto, não é só a Fraternidade que tece as tramas no Bordel. Surge o ‘Batalhão da Expropriação’, uma irmandade que, com os seus ideais radicais, introduz uma nova dimensão ao intrincado jogo de poder e influência. Este grupo, carregado de fervor e determinação, propõe-se a reconfigurar as estruturas existentes, defendendo a redistribuição e promovendo a expropriação, não apenas das riquezas, mas também dos Valores e do poder.

O Batalhão, com os seus aguerridos e resolutos membros, contrasta pela subtileza com que interage no jogo de sombras do Bordel. Estes, não se escondem atrás de véus dourados. Com uma abordagem mais taticista e doçura na narrativa, desafiam o status quo com uma franqueza que, aparentando sincera, esconde com astúcia a dissimulação dos seus verdadeiros propósitos. Os membros do batalhão, não se consideram meros agentes de mudança, mas, sim, os paladinos de uma nova era, em que as desigualdades serão radicalmente erradicadas, esventrando os que delas não padecem.

Neste cenário, o ‘Batalhão da Expropriação’, frequentemente referido apenas pelas suas iniciais 'BE', assume a forma de um contraponto, como resposta ao cinismo e às meias-verdades que se exibem e digladiam no Bordel. O ‘BE’, trazendo consigo o bafio dos velhos ideais, temperados com a frescura da utopia renascida, infundem no Bordel energia nova, dando-lhes um papel concludente, tanto como antagonista, ou como  complemento ao emaranhado de narrativas que compõem o Bordel.

Contudo, entre os membros do ‘BE’, destaca-se uma figura enigmática e perturbadora:  Alho. Alcunha que adquiriu nos círculos revolucionários clandestinos, Alho é uma presença quase espectral entre os idealistas que sonham com utopias. Com palavras, impregnadas com a acidez de uma alma atormentada, exalam uma amargura que tinge de cinza até as mais nobres causas.

Alho é como um fantasma de antigos rancores, vagueando pelas sombras do Bordel. Ele é um conspirador por natureza, movido por uma inveja tão cortante, e oculta sob as vestes desta irmandade. Engenhoso na arte do engano, tece uma rede de traição e dissimulação, onde cada gesto amistoso é o prenúncio de uma tempestade iminente.

Em Alho, arde um fogo incessante de ressentimento, um incêndio interno que se alimenta do caos que ele próprio semeia. Ele é a encarnação de uma revolução que se traiu a si mesma, um ancião rebelde impulsionado por causas antigas impregnadas com o odor da naftalina, cujo único fim parece ser a destruição e não a criação, o desmoronamento e não a edificação.

A sua presença no 'BE' é um lembrete estridente de que, mesmo entre os que se erguem como os arautos no combate às desigualdades, se ocultam espectros das táticas de acossamento. Alho, com a sua aura de um rebelão com propósito, contribui para o complexo mosaico de personagens e motivações que compõem o 'BE'.

Junto a Alho, no 'Batalhão da Expropriação', emerge CAR, cujo o nome, um acrónimo que encapsula os princípios de Conflito, Alienação e Radicalização, revela as facetas de uma personalidade atormentada pelos fantasmas das histórias da revolução contínua de Trotsk, contadas pelo seu pai. CAR, traumatizada e obstinada com a ideia Trotskista da revolução permanente, personifica a perpetuação de conflitos, vislumbrando na perpétua luta de classes a única via para uma verdadeira transformação da sociedade.

A busca incansável pela revolução, são características marcantes de CAR. Promotora da alienação de grupos que procuram soluções mais pragmáticas ou imediatas, vai criando divisões, não só no seio do 'Batalhão da Expropriação’, mas também dentro das outras irmandades do Bordel, onde CAR se posiciona frequentemente como a voz discordante, insistindo em caminhos extremistas, menos moderados e mais radicais.

A radicalização, é outro traço de CAR, que leva à intensificação de movimentos sociais e políticos, resultando muitas vezes no isolamento político do ‘BE’ ou em confrontos com irmandades mais moderadas. Esta postura, embora vista por CAR como essencial para a verdadeira mudança, muitas vezes coloca-a em rota de colisão com potenciais aliados.

CAR, uma figura de traços femininos marcantes, paradoxalmente, é sempre referida no masculino dentro do círculo revolucionário do 'BE’. Esta peculiaridade, longe de ser um equívoco, é uma escolha deliberada e celebrada. CAR vê nesta excentricidade uma subversão das normas de género, uma provocação simbólica refletindo o seu espírito revolucionário e desafiador. A sua presença, embora inegavelmente feminina, carrega uma energia e uma postura que desafiam as expectativas tradicionais de género. Com isso, CAR não só reafirma a sua identidade única como revolucionária, mas também encoraja e promove uma reflexão mais profunda sobre as normas de género e a necessidade de questioná-las, especialmente no contexto da luta da norma social. A sua preferência pelo tratamento no masculino torna-se, assim, mais do que uma mera escolha linguística, é um ato de rebeldia e afirmação da sua identidade complexa e desafiadora.

No 'BE', CAR com a sua presença enérgica, é uma força que tanto inspira como desafia, trazendo consigo a promessa da revolução contínua. A sua presença contribui para a diversidade no Bordel, adicionando uma camada de fervor revolucionário e uma perspetiva que, embora vista como extremista pelos mais moderados, é inegável que é vital na geringonça de ideias e ideologias que constituem o núcleo desta irmandade.

Neste enredo, CAR e Alho auto-proclamam-se emissários dos desfavorecidos, com discursos ávidos de crítica ao grande capital. No entanto, a realidade dos seus atos ironicamente contradiz a retórica. Enquanto as suas vozes ecoam slogans contra as injustiças e as desigualdades, no recôndito fundo dos seus bolsos, repousam remunerações que suplantam, por larga margem, o rendimento médio dos desafortunados que juram defender. Um paradoxo repleto de descompasso e incongruências, um enredo em que a eloquência das palavras proferidas choca, com ironia, no peso dos seus ganhos.

Com fervor, o ‘BE’ clama pelo confisco das fortunas alheias, traçando uma linha imaginária onde 'fortuna' é tudo aquilo que se eleva acima da média comum, transformando a abundância alheia – não mais que umas meras patacas – no alvo de suas campanhas. Mas esse ardor não se reflete na busca por uma tributação mais gravosa ou na diminuição dos seus próprios benefícios, e assim na penumbra das proclamadas nobres intenções, uma oligarquia vai se forjando. Este contraste não apenas revela, como amplifica a hipocrisia de CAR, Alho e restantes membros do BE, conferindo uma dimensão tão grandiosa quanto as utopias da revolução contínua que defendem.


 
Aviso:
O conteúdo apresentado neste texto é inteiramente ficcional. Qualquer semelhança com eventos reais, locais ou pessoas, vivas ou falecidas, é mera coincidência. As personagens e os acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor e não devem ser interpretados como reais.

1Martin Esslin (1961)

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