Saturday, 30 December 2023

Liberdade

Quando exploramos o complexo conceito de liberdade, este revela-se como um dos mais intrincados e fascinantes. Debate-se frequentemente sobre a liberdade como um direito inalienável, mas o que acontece quando a liberdade física se confronta com a liberdade da vontade? Poderá alguém ser verdadeiramente livre enquanto vive sem liberdade? Esta reflexão conduz-nos às profundezas da compreensão humana acerca da autonomia e da liberdade interior, incentivando-nos a olhar para além das aparências.

Imagine, por um instante, a vida de um escravo. As suas escolhas, movimentos e até mesmo os seus pensamentos parecem estar sob o domínio de uma força externa. Contudo, surge um aspeto fascinante e paradoxal quando as ações forçadas a este escravo estão em harmonia com os seus desejos e vontades. Neste contexto, a liberdade revela-se, dentro da própria servidão, um estado de paz em que o conflito interior é atenuado. Esta situação leva-nos a questionar: a liberdade reside na capacidade de agir de forma autónoma ou na congruência entre as nossas ações e os nossos desejos?

Esta questão conduz-nos ao núcleo da discussão. A liberdade, comummente entendida como a capacidade de agir de acordo com a própria vontade, sem imposições externas, ganha uma nova nuance quando refletimos sobre a liberdade interior. Esta vertente da liberdade ultrapassa as amarras físicas e encontra-se na sintonia entre desejar e agir. Assim, poderá um escravo sentir-se livre, mesmo com escolhas limitadas?

A psicologia moderna oferece uma interessante perspectiva, sugerindo que a congruência entre a vontade e a ação, mesmo em circunstâncias adversas, pode ser um mecanismo de superação, uma forma de resiliência onde a paz interior é alcançada por meio da aceitação e da harmonia. Trata-se de uma liberdade que brota no mais íntimo da mente humana, independentemente das condições externas.

Contudo, não se pode descurar a complexidade desta discussão. A liberdade física e social é inquestionavelmente importante e a sua defesa tem marcado a história da humanidade. No entanto, este paradoxo da liberdade interior desafia-nos a reconhecer que a liberdade pode tomar formas distintas, algumas das quais são tão subjetivas e pessoais que ultrapassam os limites da definição tradicional.

Assim, ao refletirmos sobre a liberdade, somos instados a pensar não apenas nas amarras que nos restringem, mas também nos desejos que nos impulsionam. A verdadeira liberdade, porventura, encontra-se nessa harmonia perfeita entre o ser e o querer, um estado de harmonia que nos possibilita alcançar a paz mesmo em contextos de grande restrição.

Esta reflexão não só enriquece a nossa compreensão da liberdade, como também alarga a nossa perceção acerca da resiliência humana e da capacidade de descobrir a luz mesmo nas sombras da opressão. Trata-se de uma viagem que nos conduz ao âmago da experiência humana, onde a liberdade se manifesta não apenas como um estado de existência, mas como um estado de espírito.

Prosseguindo nesta reflexão, é importante abordar a liberdade de escolha sob a ótica liberal e socialista. A situação do escravo assemelha-se, de certa forma, à experiência de indivíduos em sistemas socialistas. Nestes sistemas, as escolhas individuais, são condicionadas ou orientadas por uma estrutura coletiva mais ampla, onde em teoria o bem comum tem prioridade em detrimento da autonomia individual. Neste enquadramento, a liberdade de escolha, tal como é concebida no liberalismo, que enfatiza a autodeterminação e a independência individual, contrasta com a perspetiva socialista, que se foca mais na igualdade e na gestão do coletivo. Surge, então, uma questão fulcral: até que ponto pode ou deve a liberdade individual ser configurada ou limitada pelo coletivo? Esta questão, que é fundamental nas discussões da atualidade política em Portugal, convida-nos a explorar com maior profundidade as nuances e os limites da liberdade, tanto numa perspetiva individual quanto coletiva.

A minha convicção, sustentada nos princípios do liberalismo e na minha profunda desconfiança no planeamento centralizado, leva-me a sublinhar a primazia da liberdade individual.

Em primeiro lugar, a liberdade individual não é apenas um direito, mas sim o alicerce sobre o qual se edifica uma sociedade próspera e equitativa. Qualquer tentativa de modelar ou restringir essa liberdade em nome do coletivo deve ser encarada com muito ceticismo. As sociedades que impõem restrições excessivas à liberdade individual, em prol de metas coletivas, frequentemente acabam no caminho da tirania e da opressão.

Adicionalmente, a ideia de que o coletivo pode compreender e gerir as necessidades e desejos dos indivíduos é ilusória. A informação necessária para tal gestão é imensa, dispersa e muitas vezes inacessível. 

A história tem demonstrado, repetidamente, que quando o Estado ocupa um papel excessivamente proeminente na vida das pessoas, resulta em ineficiência, restrição de liberdades e, frequentemente, em catástrofes humanitárias. A eficácia do mercado com a livre transação de bens, alicerçada na liberdade individual e na competição, supera qualquer modelo de planeamento centralizado.

No entanto, isso não implica que o Estado não tenha um papel importante a desempenhar e deve assegurar a ordem, proteger os direitos individuais e garantir um funcionamento equitativo do mercado. Contudo, as suas funções devem ser confinadas a esses elementos essenciais. Qualquer ampliação para além disso arrisca comprometer as liberdades individuais e a eficiência económica.

Em síntese, a liberdade individual deve ser o valor supremo na nossa sociedade. A intervenção do coletivo nas escolhas individuais deve ser mínima e justificada apenas para salvaguardar os direitos e liberdades de outros indivíduos. Este é o percurso para alcançarmos uma sociedade verdadeiramente livre e próspera.

Mas a discussão sobre a liberdade individual e o papel do coletivo não estaria completa sem considerar a perspetiva do socialismo. Este sistema, com as suas raízes na ideia de igualdade e bem-estar coletivo, apresenta uma abordagem distinta à questão da liberdade. Sob esta ótica, a liberdade individual é frequentemente vista através do prisma do bem comum, onde as necessidades coletivas podem, em certas circunstâncias, sobrepor-se às escolhas individuais.

O socialismo, ao enfatizar a distribuição equitativa dos recursos e a gestão coletiva dos meios de produção, propõe uma forma de sociedade onde as desigualdades são minimizadas. Neste contexto, o indivíduo, comparável ao escravo, encontra uma forma de liberdade alinhada com a vontade coletiva, pode ser levado a aceitar e até mesmo abraçar este modelo como a única via viável para a justiça social e a igualdade. Esta aceitação pode ser interpretada como uma forma de liberdade, onde a segurança e a igualdade proporcionadas pelo sistema compensam as restrições à autonomia individual.

Neste modelo, a ideia de liberdade evolui para algo que transcende a mera autonomia pessoal e passa a incorporar a noção de segurança e igualdade como componentes fundamentais do bem-estar. A liberdade, portanto, é redefinida não como a ausência de restrições, mas como a capacidade de viver numa sociedade que assegura o bem-estar coletivo e a justiça social.

É importante salientar, contudo, que esta perspectiva contrasta com a visão liberal da liberdade individual como um fim em si mesma. No entanto, dentro do contexto socialista, a conformidade com as diretrizes do coletivo é vista como um meio necessário para alcançar uma sociedade mais justa e equitativa, onde os direitos e necessidades de todos são considerados e atendidos.

Assim, o socialismo e a sua concepção de liberdade oferecem uma visão alternativa à ideia de liberdade individual defendida pelo liberalismo. Esta apresenta uma visão de sociedade onde a interdependência e a responsabilidade coletiva são valorizadas, criando um paradigma no qual os indivíduos podem encontrar uma forma distinta de liberdade através da sua integração e contribuição para o bem comum.

Neste ponto, a nossa jornada de reflexão sobre a liberdade leva-nos a uma interseção crítica. Tendo explorado as complexidades da liberdade individual em contraste com a noção de liberdade dentro de sistemas baseados no coletivismo como o socialismo, chegamos a um entendimento. Percebemos que, enquanto as estruturas coletivas prometem igualdade e justiça, muitas vezes eclipsam a essência da liberdade individual. Esta compreensão é fundamental para avançarmos na nossa análise e para apreciarmos a importância da autonomia do indivíduo na configuração da sociedade. Este insight proporciona uma transição natural para uma reflexão mais explanada sobre o valor intrínseco da liberdade individual e como ela se manifesta no nosso tecido social.

Torna-se evidente que a soma das vontades individuais é, de facto, o motor que impulsiona a sociedade. Cada escolha pessoal, cada decisão autónoma, contribui para o tecido mais vasto do coletivo. No entanto, quando observamos sistemas como o socialismo, onde se presume a existência de uma consciência coletiva, emerge uma contradição indeclinável: essa suposta unidade coletiva é muitas vezes uma ilusão, mascarando a realidade de ser uma minoria que dita as regras e molda o destino dos muitos que compõem o coletivo.

Neste cenário, a liberdade prometida pelo coletivismo é paradoxalmente corrompida pela ausência de uma verdadeira consciência coletiva. A ideia de que a liberdade do indivíduo pode ser sacrificada pelo "bem maior", ignora a realidade de que tal "bem maior" é subjetivo e maleável, sujeito aos caprichos e interpretações de alguns poucos. A liberdade coletiva, portanto, torna-se uma ferramenta nas mãos de quem detém o poder, deixando de ser uma expressão autêntica da vontade das pessoas.

Na essência da liberdade está a capacidade de cada pessoa de escolher, de sonhar e de perseguir os seus objetivos. Quando o valor supremo é atribuído à vontade individual, a sociedade prospera não apenas em termos de inovação e progresso, mas também em humanidade e justiça. É nesta compreensão da liberdade como uma expressão individual intrínseca que reside a verdadeira esperança para uma sociedade mais justa e equitativa.

Portanto, é na liberdade individual que encontramos a nossa maior força, nela reside a verdadeira essência do progresso humano. A nossa esperança não reside na uniformidade do pensamento, mas na diversidade das aspirações.

Friday, 8 December 2023

O Bordel : Batalhão da Expropriação

A 'Fraternidade Socialista do Véu Dourado', com o Cabrão, o Mal Parido e o Catraio, emerge quase como uma paródia de si mesma, desempenhando o principal papel na farsa orquestrada no coração do Bordel. Ostenta-se como um universo peculiar repleto de nuances e paradoxos, permeando o tecido social e político e insinuando compreender as dinâmicas sociais, que se desvanecem no abismo que separa a intenção da ação. Esta dinâmica, que poderia facilmente integrar uma obra teatral de Eugène Ionesco, entrelaça o absurdo e a realidade com mestria, empenhando-se em “expressar o sentido do sem sentido da condição humana”1

Com um toque de ironia quase palpável, a Fraternidade reflete a luta constante entre ideais sublimes e uma realidade frequentemente divergente, onde o discurso de justiça e igualdade muitas vezes se perde nas névoas da prática e da conveniência. Circunstância que a transforma não em apenas num grupo, mas sim num espelho distorcido das grandes lutas, esperanças e, acima de tudo, das ironias de uma sociedade que busca, talvez em vão, um equilíbrio entre o idealismo e o pragmatismo.

Deste modo, a ‘Fraternidade Socialista do Véu Dourado’ assume a forma de uma metáfora quase cómica do eterno drama humano: a aspiração por um mundo melhor, em perpétuo conflito com a realidade das imperfeições humanas e das contingências da vida. Um lembrete subtil, porém astuto, de que, por vezes, as mais grandiosas narrativas ideológicas são, no fim de contas, apenas isso – narrativas.

No entanto, não é só a Fraternidade que tece as tramas no Bordel. Surge o ‘Batalhão da Expropriação’, uma irmandade que, com os seus ideais radicais, introduz uma nova dimensão ao intrincado jogo de poder e influência. Este grupo, carregado de fervor e determinação, propõe-se a reconfigurar as estruturas existentes, defendendo a redistribuição e promovendo a expropriação, não apenas das riquezas, mas também dos Valores e do poder.

O Batalhão, com os seus aguerridos e resolutos membros, contrasta pela subtileza com que interage no jogo de sombras do Bordel. Estes, não se escondem atrás de véus dourados. Com uma abordagem mais taticista e doçura na narrativa, desafiam o status quo com uma franqueza que, aparentando sincera, esconde com astúcia a dissimulação dos seus verdadeiros propósitos. Os membros do batalhão, não se consideram meros agentes de mudança, mas, sim, os paladinos de uma nova era, em que as desigualdades serão radicalmente erradicadas, esventrando os que delas não padecem.

Neste cenário, o ‘Batalhão da Expropriação’, frequentemente referido apenas pelas suas iniciais 'BE', assume a forma de um contraponto, como resposta ao cinismo e às meias-verdades que se exibem e digladiam no Bordel. O ‘BE’, trazendo consigo o bafio dos velhos ideais, temperados com a frescura da utopia renascida, infundem no Bordel energia nova, dando-lhes um papel concludente, tanto como antagonista, ou como  complemento ao emaranhado de narrativas que compõem o Bordel.

Contudo, entre os membros do ‘BE’, destaca-se uma figura enigmática e perturbadora:  Alho. Alcunha que adquiriu nos círculos revolucionários clandestinos, Alho é uma presença quase espectral entre os idealistas que sonham com utopias. Com palavras, impregnadas com a acidez de uma alma atormentada, exalam uma amargura que tinge de cinza até as mais nobres causas.

Alho é como um fantasma de antigos rancores, vagueando pelas sombras do Bordel. Ele é um conspirador por natureza, movido por uma inveja tão cortante, e oculta sob as vestes desta irmandade. Engenhoso na arte do engano, tece uma rede de traição e dissimulação, onde cada gesto amistoso é o prenúncio de uma tempestade iminente.

Em Alho, arde um fogo incessante de ressentimento, um incêndio interno que se alimenta do caos que ele próprio semeia. Ele é a encarnação de uma revolução que se traiu a si mesma, um ancião rebelde impulsionado por causas antigas impregnadas com o odor da naftalina, cujo único fim parece ser a destruição e não a criação, o desmoronamento e não a edificação.

A sua presença no 'BE' é um lembrete estridente de que, mesmo entre os que se erguem como os arautos no combate às desigualdades, se ocultam espectros das táticas de acossamento. Alho, com a sua aura de um rebelão com propósito, contribui para o complexo mosaico de personagens e motivações que compõem o 'BE'.

Junto a Alho, no 'Batalhão da Expropriação', emerge CAR, cujo o nome, um acrónimo que encapsula os princípios de Conflito, Alienação e Radicalização, revela as facetas de uma personalidade atormentada pelos fantasmas das histórias da revolução contínua de Trotsk, contadas pelo seu pai. CAR, traumatizada e obstinada com a ideia Trotskista da revolução permanente, personifica a perpetuação de conflitos, vislumbrando na perpétua luta de classes a única via para uma verdadeira transformação da sociedade.

A busca incansável pela revolução, são características marcantes de CAR. Promotora da alienação de grupos que procuram soluções mais pragmáticas ou imediatas, vai criando divisões, não só no seio do 'Batalhão da Expropriação’, mas também dentro das outras irmandades do Bordel, onde CAR se posiciona frequentemente como a voz discordante, insistindo em caminhos extremistas, menos moderados e mais radicais.

A radicalização, é outro traço de CAR, que leva à intensificação de movimentos sociais e políticos, resultando muitas vezes no isolamento político do ‘BE’ ou em confrontos com irmandades mais moderadas. Esta postura, embora vista por CAR como essencial para a verdadeira mudança, muitas vezes coloca-a em rota de colisão com potenciais aliados.

CAR, uma figura de traços femininos marcantes, paradoxalmente, é sempre referida no masculino dentro do círculo revolucionário do 'BE’. Esta peculiaridade, longe de ser um equívoco, é uma escolha deliberada e celebrada. CAR vê nesta excentricidade uma subversão das normas de género, uma provocação simbólica refletindo o seu espírito revolucionário e desafiador. A sua presença, embora inegavelmente feminina, carrega uma energia e uma postura que desafiam as expectativas tradicionais de género. Com isso, CAR não só reafirma a sua identidade única como revolucionária, mas também encoraja e promove uma reflexão mais profunda sobre as normas de género e a necessidade de questioná-las, especialmente no contexto da luta da norma social. A sua preferência pelo tratamento no masculino torna-se, assim, mais do que uma mera escolha linguística, é um ato de rebeldia e afirmação da sua identidade complexa e desafiadora.

No 'BE', CAR com a sua presença enérgica, é uma força que tanto inspira como desafia, trazendo consigo a promessa da revolução contínua. A sua presença contribui para a diversidade no Bordel, adicionando uma camada de fervor revolucionário e uma perspetiva que, embora vista como extremista pelos mais moderados, é inegável que é vital na geringonça de ideias e ideologias que constituem o núcleo desta irmandade.

Neste enredo, CAR e Alho auto-proclamam-se emissários dos desfavorecidos, com discursos ávidos de crítica ao grande capital. No entanto, a realidade dos seus atos ironicamente contradiz a retórica. Enquanto as suas vozes ecoam slogans contra as injustiças e as desigualdades, no recôndito fundo dos seus bolsos, repousam remunerações que suplantam, por larga margem, o rendimento médio dos desafortunados que juram defender. Um paradoxo repleto de descompasso e incongruências, um enredo em que a eloquência das palavras proferidas choca, com ironia, no peso dos seus ganhos.

Com fervor, o ‘BE’ clama pelo confisco das fortunas alheias, traçando uma linha imaginária onde 'fortuna' é tudo aquilo que se eleva acima da média comum, transformando a abundância alheia – não mais que umas meras patacas – no alvo de suas campanhas. Mas esse ardor não se reflete na busca por uma tributação mais gravosa ou na diminuição dos seus próprios benefícios, e assim na penumbra das proclamadas nobres intenções, uma oligarquia vai se forjando. Este contraste não apenas revela, como amplifica a hipocrisia de CAR, Alho e restantes membros do BE, conferindo uma dimensão tão grandiosa quanto as utopias da revolução contínua que defendem.


 
Aviso:
O conteúdo apresentado neste texto é inteiramente ficcional. Qualquer semelhança com eventos reais, locais ou pessoas, vivas ou falecidas, é mera coincidência. As personagens e os acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor e não devem ser interpretados como reais.

1Martin Esslin (1961)

Sunday, 3 December 2023

A Saga do Bloco e o Desafio do Liberalismo em Portugal

Desde o seu auspicioso início em 1999, o Bloco de Esquerda (BE) tem marcado presença no panorama parlamentar português. Nasceu sob a égide de unir os fragmentos dispersos da extrema-esquerda radical, prometendo um sopro de frescura. Volvidos todos estes anos, o partido enfrenta o paradoxo dos partidos extremistas, uma metamorfose que oscila entre o radicalismo irreverente e o pragmatismo radical.

A identidade do BE, que anteriormente se caracterizava por um vigoroso ímpeto revolucionário e um desafio ao status quo, após um interregno em que se alinhou e subscreveu as políticas do primeiro governo de Costa, um período considerado por muitos como um divisor de águas, desvendou uma faceta moderada e inesperada. Mas, terá sido efectivamente um sinal genuíno de moderação e maturidade política ou um ardil calculista dos seus reais propósitos? Os descontentamentos internos, que culminaram com a saída de alguns membros históricos, apontam no sentido de uma crise identitária. Acusações de taticismo, sectarismo e distanciamento das bases revelaram um BE que lutava para reconciliar o seu passado radical com as exigências de moderação do presente político. Somos inclinados a acreditar que os dissidentes tinham razão quanto ao
taticismo, mas enganaram-se colossalmente se pensavam que o Bloco se afastava dos ideais extremistas e radicais fundadores.

Hoje, o BE parece reavivar as orientações fundadoras, voltando a abraçar os ideais trotskistas, nomeadamente da revolução permanente, que estiveram na sua génese. Revestindo-se de uma estratégia mais astuta e dissimulada, o partido, num tom moderado e direcionado para temas que causam divisão e apelam ao populismo, cuidadosamente, esforça-se por forjar uma imagem de credibilidade, visando um aumento gradual da sua influência política. Ao mesmo tempo, alia-se ao Partido Socialista de Costa, fortalecendo a sua trajetória na conquista do poder.

Este taticismo do BE, porém, levanta preocupações sobre o futuro da política em Portugal. Ao observarmos o cenário atual, é evidente que a solução não reside na perpetuação dos extremos, seja à esquerda ou à direita. O radicalismo, seja qual for a sua bandeira, nunca é solução, mas sim fonte de divisão e estagnação.

A saga do Bloco de Esquerda, infelizmente, espelha em muitos aspetos a história turbulenta da política mundial, marcada por experiências extremadas que, sob a promessa de um Éden, resultaram sempre na supressão da liberdade, na pobreza e na desigualdade. Esta é uma lição histórica que não devemos esquecer. Da mesma forma que a história tem sistematicamente rejeitado as políticas de esquerda, também nós as devemos rejeitar e definir um novo caminho. Esse caminho deve ser inequivocamente liberal, o único capaz de nos arrancar do marasmo a que fomos relegados.

Portugal hoje precisa de uma abordagem mais equilibrada. Que caminho devemos seguir para alcançar uma política que alie a responsabilidade fiscal à sensibilidade social e que promova a liberdade individual, sem descurar o bem-estar comum? A resposta, acredito, encontra-se no liberalismo.

O liberalismo, enfatizando a liberdade, a responsabilidade individual e a inovação, emerge como a solução para o atual impasse. As políticas liberais estimulam o empreendedorismo, a criação de riqueza e a eficiência, ao mesmo tempo que garante a proteção dos mais desfavorecidos através da riqueza gerada. Este é o percurso que fomenta o progresso, honrando a diversidade de ideias e opiniões. Fernando Pessoa afirmou : "Liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo."

Saturday, 2 December 2023

Liberdade e Responsabilidade Precisa-se

Há quem alegue que a Esquerda abandonou o marxismo, porém, uma análise atenta dos comportamentos e discursos sugere o contrário. Embora abrace causas contemporâneas, como os direitos humanos, as questões LGBTQI+, os direitos dos animais e a sustentabilidade ambiental, entre outras, sussurra-se nos corredores da política que estas são extensões naturais do pensamento de esquerda. Contudo, não passam de um ardil para desviar as atenções das suas reais causas: a busca incessante pela redistribuição da riqueza, o braço do Estado estendido sobre a economia, a crítica incisiva ao capitalismo e a coletivização da propriedade e dos meios de produção. Tudo isso permanece como os pilares inalterados da ideologia da esquerda.

Olhando para as páginas marcadas pela Revolução Russa de 1917, carregada de promessas de liberdade e direitos universais, observamos uma transformação significativa uma vez que o regime soviético consolidou o poder. As vozes que contribuíram para a sua ascensão, rapidamente marginalizadas e depois brutalmente silenciadas, revelaram a verdadeira face desse regime de Esquerda. Os direitos universais, outrora bandeiras da revolução, tornaram-se reféns de intenções ocultas que se escondiam por trás dos valores proclamados. Tanto naquela época como agora, alguns justificam essas ações como um mal necessário para a sobrevivência da revolução.

Hoje, a Esquerda ressurge, uma vez mais, reivindicando e exaltando valores universais, mas, paradoxalmente, proclama objetivos que parecem contradizer esses mesmos valores enaltecidos. "Estamos concentrados exclusivamente em derrotar a direita", afirma Pedro Nuno Santos, "O primeiro objetivo é derrotar a direita", ecoa Mariana Mortágua. Estas afirmações sinalizam o retorno ao espírito revolucionário, aliciando os mais incautos com causas contemporâneas enquanto se afastam dos princípios democráticos, do diálogo e do respeito por todas as vozes.

No palco político, onde a divergência de ideias é tanto inevitável quanto salutar, nota-se a propensão da Esquerda em intensificar e radicalizar o discurso quando confrontada com opiniões diferentes das suas. Esta inclinação, refletida em vários momentos, foi recentemente manifestada nas declarações do Dr. Bolieiro, o qual, curiosamente, embora não integrando as fileiras da esquerda, parece ter sido contaminado pelo populismo e pela simplificação característica do discurso da facção política de esquerda.

Ao manifestar vontade em dialogar, o Dr. Bolieiro depara-se com um desafio considerável. A sua falta de destreza em gerir divergências políticas e a perda de credibilidade, devido à incapacidade de cumprir os parágrafos do acordo com os Liberais, levantam dúvidas sobre a sinceridade do seu compromisso para dialogar. A solidez dos seus argumentos não deve ser avaliada pela capacidade em desacreditar os adversários, mas pela habilidade em fomentar conversações construtivas, adaptar-se e encontrar pontos de consenso.

Respeitar opiniões diferentes não significa apenas tolerar visões antagónicas, mas empenhar-se nelas de forma construtiva e aberta. É através deste prisma que se deve analisar e avaliar a retórica da intervenção do Dr. Bolieiro.

O Caciquismo Empresarial

  Não ergue castelos, mas constrói “hubs”. Não comanda exércitos, mas manipula “recursos humanos” como quem dispõe da criadagem obediente ...